domingo, 28 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira

Há alguns anos ganhei de presente o livro Ensaio Sobre a Chegueira, do português Prêmio Nobel de Literatura José Saramago. Como ainda não tinha lido nada dele, confesso que quase desisti umas 3 vezes, por que não conseguia passar das páginas iniciais. Personagens sem nome, parágrafos intermináveis (3, 4, 5 folhas), linguagem rebuscada (pelo menos mais do que o usual), diálogos no meio do texto (sem aspas nem travessão), uso peculiar de pontuação, descrição minunciosa de lugares e situações. E não estava acostumado, mas insisti, já que tanta gente falava bem tanto do autor, quanto deste livro especificamente. Acho que eu estava cego. A partir de certo ponto, o livro passa a ficar sensacional, intrigante, emocionante. Passei a devorar as páginas numa velocidade alucinante, criando cada imagem em minha imaginação. O legal é, depois de concluído, discutir com outras pessoas como cada um "enxerga" as passagens do livro, principalmente o manicômio, onde os "recém-c(h)egados" ficam de quarentena e a trama principal acontece.

Quando soube que um filme baseado no livro seria lançado, pensei: "como será que o diretor vai interpretar as minhas imagens?". Ontem assisti o filme no cinema. Na minha opinião, o brasileiro Fernando Meirelles não decepcionou nadinha. Muito pelo contrário, o jogo de iluminação, fotografia e câmeras é impressionante. O efeito "leitoso" para retratar a "cegueira branca" foi um toque genial. E a discreta (fantástico aquele "plim" na hora que cada um fica cego), mas marcante, trilha sonora, funciona muito bem. É raro um filme conseguir não ficar aquém do livro. Na opinião de um leigo, apenas apreciador de filmes e literatura, Meirelles conseguiu. Filmaço!

A cegueira coletiva, retratada por Saramago, reduz o homem à categoria animal. Luta-se apenas para comer e sobreviver. Dinheiro, diploma, título, cargo, nem mesmo seu nome, te faz melhor nem pior que ninguém. Pauleira é o fardo da mulher do médico, no filme interpretada por Julianne Moore, a única que continua a enxergar. Ver toda aquela degradação humana talvez seja até pior do que estar cego. Isso tudo no mínimo te faz pensar sobre sua forma de ver o mundo.

Julianne Moore e Mark Ruffallo, numa das cenas do filme

No livro ou no filme, é clara a metáfora quanto a epidemia de cegueira do mundo de hoje. Cegueira de valores, de compaixão, de honestidade, de caráter, de respeito, de solidariedade, de amor. Assista, leia, e procure enxergar com seus próprios olhos, formando a sua visão. Vale a pena.

Um comentário:

En-cruz-ilhada disse...

Beleza Serge, fico feliz que tenha insistido e visto o verdadeiro valor do livro. Muitos de nós deixamos um livro de lado por ler com os olhos viciados, com o proprio sentir e o pensar um pouco já meio acostumados a certo tipo standard. Mesmo uma figuraça como você que sei estar "aberto" ao novo nas artes, pelo menos heheeheh... Esse livro foi fundamental na minha vida. O Careca frequentador da beira que me passou e não sabia o estrago que faria comigo, aliás passou junto com o Principe de Maquiavel. Antes da faculdade e na vespera do campeonato de Ipitanga!!!! De certa forma acordei para uma serie de questões, a principal delas na epoca foi a questão mais forte do livro que como vocÊ bem frisou é a alienação que nos ronda como uma bela brisa, uma nevoa cheia de encantos... Não vou me prolongar mais, vou assitir o filme e no nosso proximo encontro quando eu for visitar o mais novo membro da nossa galera, falaremos mais... Abraços a todos!